Os entraves da logística para atrair investidores
Os entraves da logística para atrair investidores . Empresas enfrentam o desafio de abrir capital na bolsa . César Meireles, presidente da Abol, lembra que as 30 maiores empresas do setor reunidas na associação respondem por apenas 19,4% de participação —
O setor de logística brasileiro, que hoje ainda é muito fragmentado e pouco desenvolvido, tem buscado aproveitar o cenário atual de juros baixos e liquidez do mercado para iniciar um processo de consolidação e crescimento. Esse movimento tem levado a alguns pedidos de abertura de capital (IPO) de empresas do ramo, como a BBM Logística, a Sequoia e a Vamos (do grupo JSL).
Contudo, ainda que exista uma óbvia atratividade de serviços essenciais a vários setores no país e que podem se beneficiar de catalisadores, como leilões de infraestrutura e melhor regulação, os IPOs e ofertas subsequentes de ações de logística podem a enfrentar percalços no momento atual. Gestores e economistas apontam para razões alheias ao setor, como excesso de operações colocadas na janela atual e questionamentos sobre o valor atribuído às ofertas em meio a um cenário macroeconômico cada vez mais incerto no país.
Há uma série de movimentos em curso que apontam para uma mudança e um crescimento do mercado
No transporte rodoviário de cargas, extremamente pulverizado, a expectativa é de mudança no perfil do mercado, com mais aquisições, mais terceirização e maior foco em inteligência e tecnologia, avaliam analistas do setor. Com isso, o ativo das empresas de logística, cada vez mais, é sua capacidade de fornecer um bom serviço, com inteligência e tecnologia, e não apenas a frota.
Os entraves da logística para atrair investidores
Hoje, as 30 maiores empresas do setor, reunidas na Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol), respondem por apenas 19,4% de participação. Nos últimos anos, diversas companhias vêm fazendo aquisições – como a própria BBM e a Sequoia – com o intuito de entrar em nichos específicos do mercado. Ainda assim, a fragmentação é grande.
Apesar do potencial enorme do setor, que atrai interesse de investidores dentro e fora do país, os analistas destacam que a avaliação de cada empresa é muito particular. “É preciso avaliar cada empresa. Se o investidor achar que estão pedindo muito simplesmente não vão comprar nem no preço mínimo. O mercado acaba avaliando se vale a penas investir numa empresa mesmo num cenário promissor”, afirma Isabel Lemos, gestora de ações da Fator Administração de Recursos (FAR).
Hoje, a percepção é que muitos projetos serão adiados para o primeiro trimestre do ano que vem. “Houve tentativa de muitas empresas ao mesmo tempo e nem todas as teses são sólidas e consolidadas. O próprio mercado acabou segurando”, avalia Daniel Damiani, sócio da J K Capital, que assessora a Sequoia.
Um exemplo é o caso da Hidrovias do Brasil, que atua em logística, com foco em cabotagem. A companhia concluiu recentemente sua oferta primária de ações [IPO, na sigla em inglês] com o preço mínimo e teve queda em seu primeiro dia de negociações na Bolsa.
“É um caso muito interessante de negócios, mas o IPO não foi bem pela estrutura que foi colocada. Algumas estruturas estão pegando boas empresa como a Hidrovias e colocando numa sinuca de bico. A história é boa, o investimento é necessário. Mas as estruturas nas ofertas recentes não estão funcionando, e um negócio mal colocado atrapalha os futuros”, diz Bruno Arruda, gestor de renda variável da Gauss Capital.
Para ele, o “valuation” também tem saído acima do esperado. “Muitas vezes adota-se premissas muito otimistas, ignorando o fato que no Brasil há uma insegurança jurídica, mudanças regulatórias, e a gente acaba sempre tendo sustos todas as semanas. Nessas circunstâncias, a oferta acaba entrando num ‘valuation’ muito alto e dando pouca margem para o investidor de monetizar”, avalia.
Há uma série de movimentos em curso que apontam para uma mudança e um crescimento do mercado, segundo Renato Mota, analista sênior da Fitch Ratings. Uma delas é a maior terceirização do serviço de logística por empresas que antes possuíam seus próprios sistemas de entrega. Outro é a terceirização da frota, inclusive por parte de operadores logísticos, que têm recorrido a aluguel de parte dos caminhões usados. “Há operações mais protegidas, que são as dedicadas a um cliente específico, nas quais a demanda da carga precede o investimento. Mas existe também uma parte dos serviços que têm mais volatilidade, e por conta disso empresas começam a alugar parte da frota”, diz ele.
Essas mudanças beneficiam o crescimento de operadoras maiores, como a BBM e a Sequoia, que têm cada vez mais conquistado contratos com grandes fabricantes ou varejistas, e também têm permitido o surgimento de companhias como a Vamos, que ocupou o nicho de aluguel de caminhões.
“A Vamos atende a um modelo de negócios novo, em um momento no qual as empresas deveriam estar migrando para um formato ‘asset light’ [modelo em que a empresa busca deter poucos ativos]. A Vamos possibilita que as empresas de logística foquem mais em seu negócio principal e deixem de mobilizar capital em ativos, como caminhões”, diz Arruda, da Gauss.
Outra vertente de expansão para o setor é o próprio desempenho de consumo. Apesar do impacto da pandemia na economia brasileira, diversos segmentos viveram uma expansão grande, como o comércio eletrônico, que no Brasil teve um crescimento de 160% a 170%, segundo Damiani, da JK.
“As indústrias que continuaram bem nesse período de crise, como supermercados, Magalu, B2W, são ligadas a consumo e varejo e se mostraram mais resilientes. Algumas até apresentaram crescimento de vendas. A Petz, que teve um IPO de sucesso, é também um retail. Existe correlação alta do desempenho desse tipo de companhia com as empresas de entrega, de logística.”
A expansão do agronegócio, que beneficia muito o setor ferroviário, mas também as empresas que fazem transporte por rodovias, também tem impulsionado as empresas do setor.
Para Mota, da Fitch, o desenvolvimento das companhias no atual cenário se deve, em grande parte, ao cenário de juros baixos e de maior disponibilidade de recursos para que as companhias possam fazer os investimentos necessários á expansão.
Trata-se de um movimento que vem sendo construído nos últimos 15 anos, desde a entrada de empresas estrangeiras no país, diz César Meireles, presidente da Abol.
Para ele, a privatização dos Correios, que está em estudo pelo governo federal, poderá até ter algum impacto, principalmente para empresas que têm operações mais semelhantes à da estatal hoje, como a Fedex e a DHL. Porém, Meireles vê com muito ceticismo a continuidade desse processo, que poderia trazer uma eficiência grande à companhia. “Tenho dúvidas se será viável trazer um grupo privado a uma empresa com esse endividamento, passivos trabalhistas, além de outras complexidades.”
Fonte: Jornal Valor Econômico (texto original acesse aqui)
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